segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Projeto ECA - Entrevista

Entrevista - Aplicação do ECA nas escolas. Com o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa.

por Valeria — 21/07/2010 16:19

Por Instituto Recriando, organização integrante da Rede ANDI Brasil em Sergipe

O educador e técnico de políticas públicas para a infância e adolescência, Antônio Carlos Gomes da Costa acumula um experiência de mais de 25 anos na promoção, defesa e garantia dos direitos de meninos e meninas. Nesta entrevista, ele, que foi um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente, analisa a relação entre este instrumento legal e a prática educativa, discorrendo sobre a aplicação e os usos do ECA na escola e sobre o quanto o sistema educacional brasileiro ainda precisa avançar neste aspecto.

Instituto RecriandoEm 1990, o senhor foi um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como avalia a participação da sociedade civil no processo que culminou a criação de uma das leis mais avançadas para a defesa dos direitos infanto-juvenis? O senhor acredita que hoje a sociedade continua com o mesmo poder de articulação? O que mudou desde este peodo?

Antonio Carlos Gomes da Costa: O fim do Regime Autoritário e o início da Nova República foi um momento forte de participação da sociedade civil brasileira no processo de reconstrução democrática da vida nacional, que, creio eu, não se repetiu com a mesma intensidade nas décadas que se seguiram. Entendo que o poder de articulação diminuiu devido à descrença gerada pelas decepções com as crises econômicas e os desvios ético-políticos ocorridos após a redemocratização do país. O que mudou foi que a grande mobilização de esperanças acabou em grande parte perdendo seu ímpeto inicial.

IR – Desde sua promulgação, em 13 de Julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou por um longo processo de aceitação social, legitimação e implementação que se estende por esses 20 anos. Para o senhor, quais os principais avanços que a criação desse conjunto de leis trouxe para a sociedade brasileira? E quais os maiores entraves que ainda persistem para a sua efetiva implementação?

ACGC: O maior avanço do Brasil, em termos de direitos humanos da população infanto-juvenil, foi ter acertado o passo com as democracias ocidentais mais avançadas. Em termos de retrocesso, penso que o problema não está nas mudanças no panorama legal, mas na falta de compromisso ético, vontade política e competência técnica da parte das políticas públicas e da sociedade civil para efetivamente tirar do papel o novo direito da infância e da juventude. Quanto à população, ela precisa ser mais mobilizada pela mídia para compreender, aceitar e praticar o novo direito. A falta de recursos tem sido usada como biombo para encobrir as omissões da sociedade e do Estado.

IR – A difusão do Estatuto da Criança e do Adolescente é, sem dúvida, um grande passo para sua aplicação. Como o senhor analisa o processo de inclusão de estudos e debates sobre o ECA nas escolas e outras instituições de ensino voltadas para crianças e adolescentes? Podemos considerar que esses conteúdos já foram inseridos nos espaços de educação formal? Seo, qual a melhor maneira de incluí-los a fim de que meninos e meninas se empoderem dos seus direitos?

ACGC: Estudos e debates são importantes na formação inicial e na formação continuada de todos os profissionais nas áreas de educação, saúde, serviço social, direito, psicologia e congêneres para o desenvolvimento da competência técnica requerida por uma política de atendimento qualitativamente avançada. Quanto às crianças e adolescentes, entendo que o Estatuto deveria ser a espinha dorsal dos conteúdos transversais de educação para a cidadania. Assim, trabalharíamos, ao mesmo tempo, as gerações adultas e as novas gerações. Muita coisa já foi feita, todavia ainda há muito o que fazer.

IR - Em muitas universidades, somente as áreas de direito e serviço social têm grades curriculares que incluem estudos específicos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como o senhor entende que esta realidade pode ser transformada, passando a priorizar um ensino superior que inclua o debate acerca dos direitos infanto-juvenis, sobretudo nas grades dos cursos de licenciatura, que formarão os futuros profissionais de educação?

ACGC: Conforme eu já disse, é necessário expandir e aprofundar o estudo do novo direito da criança e do adolescente na vida acadêmica. Hoje, a produção de teses e monografias sobre o ECA atingiu um volume sem precedentes nas áreas mencionadas. Além de estender esse processo a outras áreas, é muito importante produzir materiais formativos destinados aos operadores dos programas de atenção direta. Só assim o conhecimento produzido resultará em melhoria na qualidade do atendimento à população infanto-juvenil.

IR – Nessas duas décadas atuando em favor dos direitos da criança e do adolescente, como o senhor avalia o envolvimento e conhecimento dos profissionais da Educação com o Estatuto? Eles estão preparados para transformar seus artigos em ferramenta pedagógica e trabalhar suas diretrizes como temas transversais nas salas de aula?

ACGC: Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) abrem espaço eo plenas condições para que o estudo do ECA pelas crianças como eixo integrador do conteúdo transversal cidadania seja incorporado nos projetos pedagógicos de nossas escolas. O mais importante é que os educadores escolares compreendam, aceitem e pratiquem a nossa legislação que é a “Constituiçãodas crianças e adolescentes do Brasil.

IR - Dentro dessa perspectiva de inserção das diretrizes do ECA como temas transversais, que benefícios essa prática pode trazer para a comunidade escolar, em especial para os estudantes, para a educação no país e para a sociedade de uma maneira geral?

ACGC: A Constituição Federal é a Carta Magna do Brasil. As constituições estaduais são a mesma coisa para cada uma das unidades federadas e as leis orgânicas municipais oo a de cada município. Cada escola tem também a sua “Carta Magna”, que é o regimento escolar. Se num processo de protagonismo juvenil toda comunidade escolar participasse da gestão democrática da escola, o regimento poderia vir a ser elaborado numa espécie de constituinte obedecendo a Constituição, a LDB e às normas próprias de cada sistema de ensino. Isto permitiria trazer o Estado Democrático de Direito para dentro dos muros da escola e para as relações desta com o seu entorno familiar e comunitário. Será isto uma utopia? Não. Basta ler o capítulo do ECA sobre educação e os artigos 12, 13 e 14 da LDB. Eles traçam uma política para relação escola-família-comunidade que, infelizmente, não é seguida pelas escolas em nosso país. Penso que uma iniciativa dessa natureza poderia transformar nossas escolas em verdadeiras escolas da paz, superando a conflitividade e a violência tantas vezes presentes nessas relações. Principalmente nas áreas conflagradas de nossas periferias urbanas.

* Antônio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e atua na promoção e defesa dos direitos infanto-juvenis desde o início da década de 1980. Foi diretor Escola-Febem Barão de Carmargos, em Ouro Preto e a partir dessas experiências tornou-se dirigente e técnico de políticas públicas para a infância e juventude. Foi oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), representou o Brasil no Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra (Suíça) e chegou a colaborar com a criação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. A sua maior contribuição para a área da Infância, no entanto, foi ter participado do processo de nascimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como um dos seus redatores. Hoje, Antonio Carlos é consultor independente, diretor-presidente da empresa de consultoria Modus Faciendi.

BOX:

Seguem abaixo os trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Diretrizes e Bases da Educação citados por Antônio Carlos Gomes da Costa na entrevista para aprofundamento do tema.

Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente

Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a eleo tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º Oo oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.

Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:

I - maus-tratos envolvendo seus alunos;

II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;

III - elevados níveis de repetência.

Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório.

Art. 58. No processo educacional respeitar-seo os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.

Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

Lei Diretrizes e Bases da Educação

Art. 12º. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, teo a incumbência de:

I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;

II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;

III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;

IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;

V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;

VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;

VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos,

bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

Art. 13º. Os docentes incumbir-seo de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos peodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Art. 14º. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

site: http://www.direitosdacrianca.org.br/old/migracao/temas-prioritarios/educacao/entrevista-com-o-pedagogo-antonio-carlos-gomes-da-costa-sobre-a-aplicacao-do-eca-nas-escolas

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